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Artigo: 8 anos da(de) reforma trabalhista: paraíso do capital, inferno para os trabalhadores

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

“Os números não mentem, mas os mentirosos fabricam números”. – Ditado popular, repetido por Itamar Franco, em matéria publica pelo jornal Folha de São Paulo, 8 de agosto de 1994.

Ao dia 11 de novembro corrente, completam-se oito anos de vigência da Lei N. 13467/2017, que reescreveu a CLT, para transformá-la na consolidação das leis do capital (CLC), mediante profunda alteração no mérito de mais de uma centena de seus dispositivos.

O que gerou, a um só tempo, esvaziamento dos direitos fundamentais sociais insertos nos trinta e quatro incisos do Art. 7º da CF; enfraquecimento das funções sindicais, pois que as condições contratuais, na sua quase totalidade, passaram a ser reguladas por “acordo individual”; estrangulamento financeiro das entidades sindicais laborais; e amordaçamento da Justiça do Trabalho.

Isso, não obstante todas as promessas em sentido contrário, dos capatazes da (de) reforma trabalhista, com destaque especial para o relator do projeto de lei (PL) N. 6787/2016, o então deputado e hoje senador Rogério Marinho.

2 No seu relatório, com 132 páginas, o quase sempre agressivo e deselegante citado relator, assentou sentenças que não resistiram ao primeiro confronto com a realidade concreta, que jamais se submete a falsas promessas e/ou a números fabricados por quem não tem compromisso com a verdade, como bem registra o ditado popular da epígrafe.

3 Para que possa mais-bem fundamentar a cerrada oposição que, com inteira justiça, o mundo sindical dos trabalhadores faz à famigerada (de) reforma trabalhista, calha bem o cotejo de algumas das “contundentes” afirmações do relator com os indicadores da Pnad contínua, do último trimestre do ano de 2017 e de julho, agosto e setembro de 2025; e, ainda, com os dados do Anuário da Justiça do Trabalho 2025.

4 Logo ao seu início, o comentado relatório assevera:

“A Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei no 6.787, de 2016, do Poder Executivo, que “altera o Decreto-lei no 5.452,de 1o de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho, e a Lei no 6.019,de 3 de janeiro de 1974, para dispor sobre eleições de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre trabalho temporário, e dá outras providências’, também denominada de ‘Reforma Trabalhista’, foi criada mediante Ato da Presidência da Câmara dos Deputados de 3 de fevereiro de 2017, com base no inciso II do art. 34 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), constituída e instalada em 9 de fevereiro desse mesmo ano.

Segundo a sua justificação, o projeto em análise tem por objetivo ‘aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país, regulamentar o art. 11 da Constituição Federal, que assegura a eleição de representante dos trabalhadores na empresa, para promover-lhes o entendimento direto com os empregadores, e atualizar a Lei nº  6.019, de 1974, que trata do trabalho temporário”.

5 O anunciado e não confirmado aprimoramento das relações de trabalho, mereceu de 17 ministros do TST robusto Manifesto, encaminhado ao presidente do Congresso Nacional, Eunício Oliveira, em maio de 2017, portanto, antes da aprovação do PLC 38/2017, que se converteu na Lei N. 13467, dentre outras igualmente primorosas, as seguintes observações:

“A grande preocupação dos MINISTROS do TST que subscrevem este documento- os quais contam, todos, com várias décadas de experiência diária no segmento jurídico trabalhista-, é com o fato de o PLC nº 38/2017 eliminar ou restringir, de imediato ou a médio prazo, várias dezenas de direitos individuais e sociais trabalhistas que estão assegurados no País às pessoas humanas que vivem do trabalho empregatício e similares (relações de emprego e avulsas, ilustrativamente).

[..]

III- Em terceiro lugar, o PLC n. 38/2017, a partir das várias extinções e restrições a direitos trabalhistas acima expostas, elimina também importantes garantias trabalhistas dos empregados brasileiros, além de criar institutos e situações de periclitação de garantias e regras de segurança desses trabalhadores.

Trata-se de 23 (vinte e três) regras de desproteção ou periclitação de diferentes dimensões e facetas, sem contar a desproteção e periclitação provocadas pela regra da terceirização ampla de serviços na economia e na sociedade”.

6 Compõem essas “regras de desproteção ou periclitação”, aludidas pelo judicioso e sábio Manifesto de 17 ministros do TST, as danosas alterações, a seguir elencadas, sendo que algumas delas são tão gritantes, que o STF, igualmente agente da (de) reforma trabalhista, viu-se compelido a declará-las inconstitucionais:

6.1 A supressão da condicionante de que o direito comum só se aplicava, subsidiariamente ao direito no trabalho, naquilo que não fosse incompatível com seus princípios fundamentais, contida no   § 1º, do Art. 8º. O que abre largos para a total subestimação dos princípios da primazia da realidade, continuidade da relação de emprego, irrenunciabilidade de direitos, da proteção contra dispensa arbitrária, da inalterabilidade contratual lesiva, intangibilidade salarial, proibição de enriquecimento sem causa,  in dúbio pró-operário, condição mais benéfica, norma mais favorável; sem os quais avulta-se ao extremo a já exacerbada desigualdade nas relações de trabalho; expressamente reconhecida pelo STF no RE 590415.

6.2 Limitação da competência da Justiça do Trabalho, ao analisar os instrumentos normativos coletivos, CCT e ACT, que fica restrita à forma; sendo vedada a análise do conteúdo; mediante alteração do Art. 8º, § 3º, da CLT.

6.2   Introdução da prescrição intercorrente, que era vedada pela Súmula 114 do TST, com o acréscimo do Art. 11-A da CLT. Importa dizer: a partir da vigência da Lei N. 13467/2017, a prescrição de créditos pode ocorrer antes e no curso da reclamação trabalhista, inclusive na fase de execução.

6.3 Supressão das horas in itinere (tempo de deslocamento empregado, para o e na volta do trabalho), que era computado na jornada de trabalho, pelo § 2º, do Art. 58 da CLT, e Súmula 90 do TST.

6.4 Autorização para implantação de banco de horas, por “acordo individual”, com duração de até seis meses, mediante o acréscimo do § 5º, ao Art. 58-A da CLT.

6.5 Permissão para estabelecimento de jornada de 12×36 horas ininterruptas, ou seja, sem intervalo para repouso e alimentação, por “acordo individual”, com o acréscimo do Art. 59-A da CLT.

6.5.1 Antes a jornada de 12×36 só era permitida, com intervalo, e por negociação coletiva, conforme a Súmula 444 do TST. O que é mais estarrecedor é que o STF declarou constitucional esse dispositivo da CLT, na ADI 5994; sem fazer qualquer menção à ausência de intervalo para repouso e alimentação.

6.6 Autorização para a empresa fracionar as férias em até três períodos, desde que um deles não seja inferior a 14 dias- tempo considerado pelo Art. 8º da Convenção 132 da OIT, ratificada pelo Brasil, como necessário para a descompressão ou desestresse-, e, os outros dois, com no mínimo cinco dias cada um; mediante alteração do § 1º, do Art. 134, da CLT.

6.7 Determinação para fixação judicial de dano moral de acordo com o salário do empregado vítima de sua prática, com o acréscimo do Art. 223-G à CLT.

Essa regra estúpida, para além de afirmar que a dignidade do trabalhador só vale o quanto pesa, quebra o universal e multissecular princípio da isonomia, ao estabelecer que dois ou mais trabalhadores, vítimas de igual dano moral, recebam indenizações distintas, desde que seus salários não sejam de igual valor.

Trata-se de regra tão absurda que foi parcialmente declarada inconstitucional pelo STF na ADI 6050, que toma o salário da vítima como referência e não com valor máximo. Porém, essa decisão do STF não resolveu a questão central que é a quebra da isonomia.

6.8 Autorização para as empresas exigirem trabalho de gestante em atividades insalubres, com a alteração do Art. 394-A da CLT. Essa autorização, que reflete desprezo total pela vida humana, da gestante e de seu filho, foi declarada inconstitucional pelo STF na ADI 5938.

6.9 Criação da esdruxula figura de autônomo exclusivo, sem vínculo empregatício, com a inclusão do Art. 442-B à CLT.

6.10 Criação do trabalhador “hipersuficiente”, sem acesso aos direitos celetistas e convencionais e à justiça do Trabalho, desde que tenha curso superior e receba salário superior a duas vezes o teto do regime geral de previdência social (RGPS), hoje, de R$ 8.15741; com a alteração do Art. 444 e acréscimo do 507-A à CLT.

6.11 Criação do contrato intermitente, com zero hora e zero salário, conforme as palavras do ministro Edson Fachin, com o acréscimo dos Arts. 452-A a 452-H à CLT; declarado constitucional pelo STF na ADI 5826.

6.12 Autorização para as empresas veicularem propagandas comerciais nos uniformes de seus empregados, sem nenhuma contraprestação financeira, transformando-os em outdoors ambulantes; com o acréscimo do Art. 456-A à CLT.

6.13 Supressão da exigência de assistência sindical (homologação) nas rescisões de contrato com mais de um ano de duração, com a revogação do § 1º, do Art. 477, da CLT.

6.14 Declaração de nulidade da garantia de proibição de demissão imotivada ou sem justa causa, assegurada pelo Art. 1º, I, da CF, pendente de regulamentação, como se isso fosse possível na hierarquia das normas; com o acréscimo do Art. 477-A à CLT.

Essa teratológica declaração foi mitigada pelo STF no Tema 638 “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.

6.15 Introdução da danosa modalidade de rescisão de contrato por “acordo individual”, em que o empregado perde vários direitos, tais como metade do aviso prévio, metade da multa do FGTS e não faz jus ao seguro=desemprego; com a inclusão do Art. 484-A à CLT.

6.16 Instituição de quitação anual de direitos, com a assistência sindical, por meio do acréscimo do Art. 507-B à CLT.

6.17 Regulamentação marota do Art. 11 da CF, para criar a figura de representante dos trabalhadores, em empresas com mais de duzentos empregados, por ação delas e à revelia dos sindicatos; com o acréscimo dos Arts. 510-A a 510-E à CLT.

6.18 Conversão da contribuição sindical em facultativa, quebrando financeiramente as entidades sindicais, com a alteração no Art. 582 da CLT; declarada constitucional pelo STF na ADI 5794.

6.19 Implantação da prevalência do negociado sobre o legislado, para reduzir direitos e incluir os sindicatos como réus obrigatórios, nas ações que discutam validade de normas coletivas, como acréscimo do Art. 611-A à CLT; que ensejou o Tema 1046.

Tema 1046 “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

6.20 Proibição de inclusão em norma coletiva de previsão de desconto de qualquer contribuição aos sindicatos; com o acréscimo do Art. 611-B, XXVI, à CLT.

Essa proibição foi mitigada pelo Tema 935 do STF: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

Decisão: (ED-ED) Após o voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator), que acolhia os embargos de declaração, com efeitos integrativos, para determinar que: i) fique vedada a cobrança retroativa da contribuição assistencial em relação ao período em que o Supremo Tribunal Federal mantinha o entendimento pela sua inconstitucionalidade; ii) seja assegurada a impossibilidade de interferência de terceiros no livre exercício do direito de oposição; e iii) o valor da contribuição assistencial observe critérios de razoabilidade e seja compatível com a capacidade econômica da categoria”.

6.21 Proibição de inclusão de ultratividade de normas coletivas em CCT e ACT, por meio da alteração do Art. 614, § 3º, da CLT. Essa proibição desautoriza toda e qualquer afirmação de a (de) reforma trabalhista veio a valorizar a negociação coletiva.

O mais absurdo é que o STF a declarou constitucional, na ADI 2200.

6.22 Elevação de ACT à condição de prevalecente sobre CCT, invertendo a ordem natural e o que constava da redação anterior do Art. 620 da CLT, desde 1943.

6.23 Estabelecimento de regras inalcançáveis para a fixação da jurisprudência

da Justiça do Trabalho, por meio de alteração no Art. 702, ‘f’, da CLT; declarada inconstitucional pelo STF, na ADI 6188.

6.24 Condenação do trabalhador em honorários de sucumbências, em todos os pedidos julgados improcedentes, com a inclusão do § 3º, ao Art. 791-A da CLT.

6.25 Instituição de barreiras inibidoras ao ajuizamento de reclamações trabalhistas, considerando perdida a condição de beneficiário de justiça gratuita, se o trabalhador tiver julgado procedente algum de seus pedidos, com a inclusão do Art. 791-A, § 4º, à CLT.

Esse § foi declarado parcialmente inconstitucional pelo STF na ADI 5766:

“1. É inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário. 2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese. 3. Ação Direta julgada parcialmente procedente”.

6.26 Estabelecimento de exigência de indicação de valores em todos os pedidos, já na petição inicial, com a alteração do   § 1º, do Art.840 da CLT.

Essa exigência foi questionada pela OAB, por meio da ADI 6002, ainda pendente de julgamento. No voto, o relator ministro Cristiano Zanin, não só a julga constitucional, como considera os valores indicados como definitivos; exceto em casos em que, comprovadamente, não for possível sua apuração, sem dizer quais casos. O que será inibidor quase instransponível, para muitos sindicatos, notadamente quanto às ações coletivas.

“Voto do ministro Cristiano Zanin, na ADI 6002: V – Conclusão:

Posto isso, julgo parcialmente procedente o pedido do requerente no que se refere ao art. 840, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, conferindo-lhe interpretação conforme à Constituição, para considerar que o pedido da reclamação trabalhista seja certo, determinado e com a indicação do seu valor, salvo quando não for possível, na forma prevista no art. 324, § 1°, do Código de Processo Civil, promover a liquidação prévia. Nessas hipóteses, desde que devidamente justificadas, a apresentação de uma estimativa de valor é suficiente para o regular processamento da ação. Em relação ao disposto no art. 840, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, julgo parcialmente procedente o pedido e confiro interpretação conforme à Constituição Federal, para que seja dada a oportunidade à parte para emendar a inicial nos casos em que a exordial trabalhista não atender às exigências previstas no § 1º do mesmo artigo, nos termos do art. 321 do Código de Processo Civil”.

6.27 Instituição de procedimento de jurisdição voluntária, com a finalidade de permitir às empresas buscarem a homologação judicial de quitação de contrato de trabalho; com o acréscimo do Art. 855-B à CLT.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou a Resolução N. 586/2024, que regulamenta a matéria, proibindo a Justiça do Trabalho de analisar o conteúdo dos “acordos” que lhe forem levados à homologação. Um disparate.

6.28 Promoção de alterações profundas na Lei N. 6019/1974, que trata da terceirização sem limites e sem fronteiras, declaradas constitucionais pelo STF no julgamento do recurso extraordinário (RE) 958252 e na arguição de descumprimento de preceitos fundamentais (ADPF) 324, conforme Temas 725 e 383.

Tema 725 “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”,

Tema 383 Tese: A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratar de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas.

7 As alterações retroanotadas cuidam de, prontamente, desautorizar a solene afirmação do relator, no já mencionado relatório, que, se cotejado com elas, soa em tom de deboche:

“Muito se especulou de que este Projeto de Lei e esta Comissão teriam como objetivo principal retirar direitos dos trabalhadores. Eu afirmo com convicção de que este não é e nunca foi o nosso objetivo e, mesmo que fosse, não poderíamos, em hipótese alguma, contrariar o que está colocado no artigo 7º da Constituição Federal. O Substitutivo apresentado não está focado na supressão de direitos, mas sim em proporcionar uma legislação mais moderna, que busque soluções inteligentes para novas modalidades de contratação, que aumente a segurança jurídica de todas as partes da relação de emprego, enfim, que adapte a CLT às modernizações verificadas no mundo nesses mais de 70 anos que separam o nascimento da CLT deste momento”.

8 Como se não bastasse, o relator, com cinismo, afirma: “O compromisso que firmamos, ao aceitar esta tarefa, não foi com empresas, com grupos econômicos, com entidades laborais, sindicatos ou com qualquer outro setor.

O nosso compromisso é com o Brasil. É com os mais de 13 milhões de desempregados, 10 milhões de desalentados e subempregados totalizando 23 milhões de brasileiros e brasileiras que foram jogados nessa situação por culpa de equívocos cometidos em governos anteriores.

[..]

A legislação trabalhista brasileira vigente hoje é um instrumento de exclusão, prefere deixar as pessoas à margem da modernidade e da proteção legal do que permitir contratações atendendo as vontades e as realidades das pessoas.

[..]

Segundo o estudo, estima-se que em torno de 40% dos trabalhadores brasileiros estejam no mercado informal, ou seja, quatro em cada dez brasileiros não têm qualquer proteção de direitos trabalhistas.

Essa modernização trabalhista deve então assumir o compromisso não apenas de manter os direitos dos trabalhadores que possuam um emprego formal, mas também de proporcionar o ingresso daqueles que hoje não possuem direito algum.

[..]

Temos, assim, plena convicção de que essa reforma contribuirá para gerar mais empregos formais e para movimentar a economia, sem comprometer os direitos tão duramente alcançados pela classe trabalhadora.

Não resta dúvida de que, hoje, a legislação tem um viés de proteção das pessoas que estão empregadas, mas a rigidez da CLT acaba por deixar à margem da cobertura legal uma parcela imensa de trabalhadores, em especial, os desempregados e o trabalhadores submetidos ao trabalho informal.

Assim, convivemos com dois tipos de trabalhadores: os que têm tudo – emprego, salário, direitos trabalhistas e previdenciários – e os que nada têm – os informais e os desempregados. A reforma, portanto, tem que almejar igualmente a dignidade daquele que não tem acesso aos direitos trabalhistas. E essa constatação apenas reforça a nossa convicção de que é necessária uma modificação da legislação trabalhista para que haja a ampliação do mercado de trabalho, ou seja, as modificações que forem aprovadas deverão ter por objetivo não apenas garantir melhores condições de trabalho para quem ocupa um emprego hoje, mas criar oportunidades para os que estão fora do mercado”.

9 Essa falsa profissão de fé não resiste ao singelo confronto com os indicadores da Pnad contínua, tomados em 2017, quando foi aprovada e entrou em vigor a (de) reforma trabalhista, e em setembro de 2025, divulgados dia 31 de outubro último, véspera do “aniversário” de oito anos de vigência daquela.

9.1 Em dezembro de 2017, a taxa de desocupação (desemprego) era de 12, 5 milhões, nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, sob governos apoiados pelo relator, Temer e Bolsonaro, foi de 12 milhões, em 2018; 11,9 milhões, em 2019; 12,4 milhões, em 2020; e 12,7 milhões, em 2021; caindo a 8,7 milhões, em 2022, último ano da fatídica era bolsonariana. Em setembro de 2025, fechou o trimestre com 5, 6% e não foi graças à reforma trabalhista.

9.2 Em 2017, a taxa de ocupação foi de 55,6% da população em idade de trabalhar; em 2018, de 55,6%; em 2019, de 56,4%; em 2020, de 51%; em 2021, de 55,5%; em 2022, de 57,1%; em 2023, de 57,6%; em 2024, de 58,7%; em setembro de 2025, de 58,7%. Ou seja, nos oito anos de vigência da (de) reforma, houve crescimento de 2,1% da taxa de ocupação. Importa dizer: a (de) reforma trabalhista não entregou o que relator prometeu.

9.3 Em 2017, o total de informalidade era de 36,6 milhões de pessoa; em setembro de 2025, de 37,8 milhões. Equivale a dizer: houve crescimento de 1,2 milhão, exatamente o inverso do que o relator prenunciou.

9.4 Em dezembro de 2017, havia 11,2 milhões de trabalhadores sem carteira assinada; em setembro de 2025, 13,5 milhões. O que representa o acréscimo de 2,3 milhões.

10 De modo oportunista, o relator citou o ministro do TST João Oreste Dalazem, o primeiro signatário do referenciado Manifesto contrário ao PLC 38/2017, convertido na Lei N. 13467/2017, para tentar justificar as barreiras que seriam impostas à busca da proteção de direitos sonegados perante a Justiça do Trabalho; afirmando que:

“De acordo com dados colocados à disposição pelo próprio TST, somente no ano de 2016, as Varas do Trabalho receberam, na fase de conhecimento, 2.756.159 processos, um aumento de 4,5% em relação ao ano anterior.

A pergunta a ser feita é: o País suporta tal demanda? Até quando os tribunais trabalhistas suportarão esse volume de processos?”.

11 O “RELATÓRIO GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2024”, na página 5, registra:

“Ademais, verificou-se que a Justiça do Trabalho contava com saldo remanescente de 1.784.650 processos. Ao longo do ano de 2024, foram recebidos 4.090.375 processos, dos quais 3.599.940 consubstanciavam Casos Novos.

Após dois anos consecutivos de redução no quantitativo de recebidos, fato possivelmente explicado pelo período da pandemia de Covid-19, os anos de 2022, 2023 e 2024 mostraram-se de retomada da busca por justiça social por parte dos jurisdicionados.

Em 2024, houve um incremento de 19,3% nos processos recebidos em relação ao ano anterior. Nas Varas do Trabalho, esse aumento foi de 29,6%, nos Tribunais Regionais do Trabalho, de 14,5%, e no Tribunal Superior do Trabalho, de 26,2%.

As três principais atividades econômicas que concentraram maiores quantitativos de Casos Novos foram os Serviços Diversos (27,9%), a Indústria (20,6%) e o Comércio (13,1%). Os assuntos mais recorrentes foram adicional de insalubridade, verbas rescisórias, multa de 40% do FGTS, multa do art. 477 da CLT e indenização por dano moral, evidenciando que a maior parte dos casos trazidos à Justiça do Trabalho cuida do inadimplemento de direitos básicos”.

Já na página 176, há os seguintes registros:

“4.5. LITIGIOSIDADE 4.5.1. PROCESSOS RECEBIDOS Tabela 4.5.1.1. Processos recebidos na Justiça do Trabalho. 2024.

Os processos recebidos pela Justiça do Trabalho totalizaram 4.090.375, um aumento de 19,3% em relação ao ano anterior. Nos últimos 20 anos, exceto no período de 2018 a 2021, foram verificados aumentos consecutivos nessa variável”.

12 Tem-se, pois, que não obstante as barreiras impostas aos trabalhadores, para sua incessante e imprescindível busca de proteção de seus direitos perante a Justiça do Trabalho, não foram suficientes para diminuir a litigiosidade.

Assim sendo, por uma única razão: o desrespeito a eles não só não cessa como cresce cotidianamente, notadamente quanto a direitos elementares, como verbas rescisórias, multa de 40% do FGTS e do Art. 477 da CLT, por atraso no pagamento daquelas.

13 Em dezembro de 2017, o rendimento médio dos trabalhadores era de R$ 3.173,00; em setembro de 2025, de R$ 3.507,00. O que representou aumento de 10,52%. Porém, o INPC do período foi de 49,71%. Portanto, o aumento do rendimento ficou abaixo da correção pela inflação.

Em breves linhas, essa é a desalentadora retrospectiva da (de) reforma trabalhista de paraíso para o capital e inferno para os trabalhadores!

 *José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Cntee.

 Fonte: Contee.

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