Por José Geraldo de Santana Oliveira*
O ministro Gilmar Mendes, relator do processo ARE 1018459, processo paradigma do Tema 1389, em despacho proferido aos 3 de julho corrente, convocou audiência pública “para o depoimento de autoridades e membros da sociedade em geral que possam contribuir com esclarecimentos técnicos, contábeis, administrativos, políticos e econômicos sobre o tema”.
No referenciado despacho assentou “Atento ao estado da arte da jurisdição constitucional e à controvérsia constitucional que exsurge dos autos do Tema 1389 da repercussão geral, assinalo as seguintes questões a serem enfrentadas e esclarecidas na audiência pública”.
A seguir, reproduzem-se todas as referidas questões, adicionando comentários sobre cada uma delas; sendo que os tecidos sobre as de natureza empresarial e tributária, contam com a especial e gentil colaboração de dois diletos amigos, Rodrigo Valente, especialista em direito empresarial, com quem tenho a honra de compartilhar a RJ metodista e várias ações no TST; e Nelson dos Santos, contador e amigo há de mais meio século.
1) O que se entende por pejotização e qual a dimensão atual desse fenômeno na economia brasileira?
O neologismo pejotização encerra as modalidades de MEI definido pelo Art. 18-E, da Lei complementar N. 147-2014- Art. 18-E. O instituto do MEI é uma política pública que tem por objetivo a formalização de pequenos empreendimentos e a inclusão social e previdenciária; § 1º§ 1o A formalização de MEI não tem caráter eminentemente econômico ou fiscal-;§ 2o Todo benefício previsto nesta Lei Complementar aplicável à microempresa estende-se ao MEI sempre que lhe for mais favorável; § 3o O MEI é modalidade de microempresa-; a micro empresa (ME) e a empresa de pequeno porte (EPP).
No entanto, quando se fala de pejotização, tem-se como referência o MEI, que, como atestam à larga os indicadores sociais, é utilizado, em sua quase totalidade, indevida e ilegalmente, como substituto do registro na CTPS, para isentar a empresa que o contrata de todos os direitos sociais enumerados no Art. 7º da CF e na CLT.
Segundo dados do Sebrae, divulgados pelo Portal Brasil 61, em 15 de junho último, em 2025, do total de 23.452.457 empresas ativas, nada menos que 12.017.846 são MEIs; assim distribuídos Sudeste, 6.594.072; Sul, 2.369.192; Nordeste, 2.071.798; Centro-Oeste, 1.113.089; e Norte, 564.899 MEIs. Somente no ano de 2025, já foram registrados 1.792.342 novos.
O citado amigo Rodrigo Valente comenta, na petição da Contee ao TST, requerendo ingresso no IRDR, que trata exatamente de pejotização e que assinamos em conjunto “[..] 44 Isso porque o MEI, como espécie de empresário individual comum, não é juridicamente caracterizado como pessoa jurídica. A constituição como empresário individual comum – gênero do qual o MEI é espécie – não faz nascer uma nova pessoa com capacidade e personalidade jurídica distintas de seu titular, a despeito de obter o número de CNPJ, que, no caso, se presta unicamente para justificar a carga tributária oriunda das receitas auferidas.
[..]
O catedrático de Direito Empresarial, SÉRGIO CAMPINHO, bem dispõe que ‘o empresário individual seria justamente a pessoa física, titular da empresa [atividade]’, não dando origem à existência de uma nova pessoa dotada de personalidade jurídica distinta, como normalmente ocorre com as sociedades empresárias.
O conceituado comercialista, RUBENS REQUIÃO5, explica a ficção que se estabelece pela concessão de um número CNPJ, o qual se presta unicamente para fins de segregação tributária dos rendimentos auferidos pela pessoa física, veja: ‘À firma individual, do empresário individual, registrada no Registro do Comércio, chama-se também de empresa individual.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A 3 Tratado de Direito Comercial Brasileiro, ed. Freitas Bastos, Rio, 1957, 6a ed. V.II, livro I, pags. 166/167. 4 O direito de empresa à luz do novo código civil. Renovar, 2ª ed., Rio de Janeiro, 2003, p. 14. 5 Curso de Direito Comercial, vol. 1, Saraiva, São Paulo, 2004, p. 68 transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda. (Ap. civ. n. 8.447 – Lages, “in” Bol. Jur. ADCOAS, n. 18.878/73)’.”
Logo, o negócio jurídico firmado com prestador de serviços constituído como simples empresário individual, a exemplo do MEI, mantém firme e incólume a existência de uma relação contratual estabelecida por pessoa física, impondo-se verificar, caso a caso, a presença dos demais elementos dispostos nos arts. 2º e 3º da CLT para se chegar à conclusão quanto à existência ou não de uma relação de emprego”.
2) Quais são os elementos fáticos e jurídicos que distinguem a relação de emprego regida pela CLT da contratação autônoma ou via pessoa jurídica para prestação de serviços?
Como bem afirma o Subprocurador Geral do Trabalho, Cristiano Paixão, no Parecer ao TS, IRDR 373-67.2017.5.17.0121:
“Entendemos que a “pejotização” é uma fraude à relação de emprego. Trata-se da contratação de trabalhador subordinado como sócio ou titular de pessoa jurídica, como forma de mascarar o vínculo empregatício a partir da celebração de um contrato de trabalho autônomo do ponto de vista formal.
Essa é a razão da criação do termo para denominar o fenômeno: o uso de uma pessoa jurídica para contratar um ser humano que, na realidade, é um empregado. 8 Destacamos que as Leis nos 13.429/2017 e 13.467/2017, que alteraram a Lei nº 6.019/1974, não legalizaram essa prática.
[..]
O contrato de prestação de serviços a terceiros, para estar em conformidade com a legislação, exige, como já mencionado, três elementos: a) a transferência de execução de atividades à empresa prestadora, como objeto contratual; b) empresa prestadora de serviços e a sua autonomia na execução da atividade, nos limites do contrato de prestação de serviço; e c) a capacidade econômica compatível com a execução. Nenhum desses requisitos está presente na “pejotização”.
Não há transferência da atividade, pois o trabalhador é contratado para a prestação de serviços pessoais e subordinado (o que inclui o previsto no § único doart. 6º da CLT) à contratante, sendo inserido no processo produtivo dessa. Não estamos diante de uma situação em que a contratante pretende transferir a execução de um serviço, mas contratar força de trabalho.
Não existe autonomia na execução da atividade, dado que o trabalhador não detém capacidade de auto-organização e de gestão da atividade contratada. Não se trata de um caso em que o sócio ou o titular da pessoa jurídica tem os meios para gerenciar os trabalhos, uma vez que o poder de direção é exercido pela contratante.
Não se verifica a capacidade econômica compatível com a execução do serviço contratado, uma vez que a contratada não é uma empresa com estrutura funcional para a prestação de serviços, o que é exigido pelo art. 5º-A da Lei nº 6.019/1974, mas uma pessoa que somente é capaz de oferecer a sua força de trabalho à contratante”.
3) Quais requisitos da relação de emprego podem estar presentes na pejotização (subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade)?
Aplicando-se o princípio da primazia da realidade ou contrato realidade, que propositadamente anda relegado ao esquecimento, pode-se afirmar, sem receio de equívoco ou exagero, que na quase totalidade dos contratos com MEI, os elementos constitutivos do vínculo empregatício patenteiam-se como a luz solar; como é demonstrado na questão anterior.
4) Quais são os elementos necessários para a configuração de fraude na formalização de contrato para prestação de serviços por autônomos e por pessoas jurídicas?
O rigoroso escrutínio empírico do cotidiano da terceirização e da pejotização, que é espécie dela, de acordo com a jurisprudência do STF, parafraseando o ministro Luíz Fux, nos itens 21 e 22 da Ementa do Acórdão proferido no RE 958252, faz sobejar provas de que a relação dos terceirizados, efetivamente, se dá com o tomador e não com a empresa que formalmente os contrata, que, a rigor, não passa de testa de ferro (pretensa contratante) daquele.
Esse escrutínio salta aos olhos, de forma absoluta, em órgãos públicos, empresas públicas e instituições de ensino, públicas e privadas; evidenciando a cristalina e plena relação de pessoalidade e subordinação direta com o tomador, de que trata o item III, da Súmula 331 desse egrégio Tribunal.
Patenteia-se, por todos os ângulos que se analisar o cotidiano dos terceirizados em casos que tais, que, ao fim e ao cabo, nenhuma ordem emana da empresa prestadora de serviços, que formalmente contrata os trabalhadores; emanam-se todas, sem exceção, do tomador, não havendo sequer supervisor da empresa terceirizada.
E mais: é o tomador que exige e recebe documentos dos empregados, dentre outros atestados médicos; contra a folha de pontos; aplica e executa medidas disciplinares; fixa e determina o período de concessão de férias; e impõe regras próprias de poder diretivo.
Acresça-se a isto o fato de que, mesmo após sucessivos contratos de prestação de serviços, que vão e vêm infindavelmente, não se verifica qualquer alteração no quadro de pessoal, que permanece intacto; alterando-se apenas a empresa formalmente contratante.
Essa realidade na terceirização, tomada pelo STF como gênero, que abriga a espécie pejotização, é muito mais gritante e concreta nos casos de pejota, qualquer que seja sua modalidade. Nessa modalidade, não há sequer a figura formal do terceiro prestador de serviços; a relação do trabalhador é direta com a própria empresa.
Nos estabelecimentos privados de ensino, mencionados elementos não só se repetem, como se tornam mais patentes; posto que a autorização de funcionamento e a oferta de cursos são do tomador, de modo exclusivo e intransferível; o corpo docente atua única e exclusivamente em seu nome; de igual modo, o calendário escolar, a folha de ponto, o programa pedagógico e/ou acadêmico, os dias letivos, as horas de trabalho pedagógico/acadêmico, as férias escolares e trabalhistas, o conselho de classe, os critérios para avaliação, promoção e retenção. Onde, pois, entra o poder diretivo da empresa prestadora de serviços? Simplesmente, ele é absolutamente incompatível com a educação, primeiro dos direitos fundamentais sociais, que é a educação.
5) Quais são os requisitos necessários para a configuração da hipossuficiência do trabalhador ou do prestador de serviços?
A resposta a essa questão foi dada pelo ministro Roberto Barroso, no voto proferido no processo RE 590415, em 2015, acolhido pela maioria dos ministros do STF, como se constata pela leitura dos excertos abaixo:
“II. LIMITAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE DO EMPREGADO EM RAZÃO DA ASSIMETRIA DE PODER ENTRE OS SUJEITOS DA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE TRABALHO
8 – O direito individual do trabalho tem na relação de trabalho, estabelecida entre o empregador e a pessoa física do empregado, o elemento básico a partir do qual constrói os institutos e regras de interpretação. Justamente porque se reconhece, no âmbito das relações individuais, a desigualdade econômica e de poder entre as partes, as normas que regem tais relações são voltadas à tutela do trabalhador. Entende-se que a situação de inferioridade do empregado compromete o livre exercício da autonomia individual da vontade e que, nesse contexto, regras de origem heterônoma – produzidas pelo Estado – desempenham um papel primordial de defesa da parte hipossuficiente. Também por isso a aplicação do direito rege-se pelo princípio da proteção, optando-se pela norma mais favorável ao trabalhador na interpretação e na solução de antinomias.
9 – Essa lógica protetiva está presente na Constituição, que consagrou um grande número de dispositivos à garantia de direitos trabalhistas no âmbito das relações individuais. Essa mesma lógica encontra-se presente no art. 477, §2º, da CLT e na Súmula 330 do TST, quando se determina que a quitação tem eficácia liberatória exclusivamente quanto às parcelas consignadas no recibo, independentemente de ter sido concedida em termos mais amplos.
10 – Não se espera que o empregado, no momento da rescisão de seu contrato, tenha condições de avaliar se as parcelas e valores indicados no termo de rescisão correspondem efetivamente a todas as verbas a que faria jus. Considera-se que a condição de subordinação, a desinformação ou a necessidade podem levá-lo a agir em prejuízo próprio. Por isso, a quitação, no âmbito das relações individuais, produz efeitos limitados. Entretanto, tal assimetria entre empregador e empregados não se coloca – ao menos não com a mesma força – nas relações coletivas…”
6) A quem incumbe comprovar a existência (ou não) de fraude: ao trabalhador/contratado ou à empresa contratante?
Sem prejuízo da inafastável necessidade de o trabalhador comprovar a relação de trabalho com a empresa judicialmente acionada, conforme Art. 818, da CLT e 373, do Código de Processo Civil (CPC); em nenhuma hipótese, pode-se transferir a ele a incumbência de comprovar a fraude contratual, pois que isso, além de, teratologicamente, inverter a ordem vigente das relações individuais de trabalho, que são assimétricas, sempre sendo prevalecente a vontade do empregador, como expressamente reconheceu o STF, no já citado RE 590415, afronta, de forma direta, o citado Art. 373 do CPC, que dispõe:
“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito:
II ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.
A não ser que se pretenda prescindir do contrato realidade, que é princípio multissecular do direito do trabalho, para privilegiar a forma, mais uma vez e forma gritante, afrontando o Art. 373, II, do CPC, a simples exibição de contrato de prestação de serviços, pode ser tomado como bastante para elidir a fraude e para transferir ao trabalhador o ônus de provar o contrário.
7) Quais os efeitos da pejotização na proteção dos direitos trabalhistas?
Em primeiro lugar, faz-se imperioso resgatar o texto constitucional, insculpido no Art. 7º, caput, que determina a abrangência dos trinta e quatro direitos sociais que assegura; não fazendo distinção alguma entre empregado e aquele que não o é, em sentido estrito:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: “.
Ainda que remanescesse alguma dúvida sobre o alcance do caput, que estende os direitos que elenca a todos os trabalhadores urbanos e rurais e não apenas aos empregados, o inciso XXXIV do comentado Art., cuida de afastar toda e qualquer afirmação diversa, ao estabelecer, de forma indelével, “XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.
Assim, resta claro como a luz solar que os intitulados pejotas gozam de todos os direitos sociais elencados pelo Art. 7º da CF. Aliás, é assim que entende e afirma o respeitado jurista Nelson Mannrich, professor aposentado da USP, em matéria divulgada aos 23 de dezembro de 2024, em “Grandes temas, grandes nomes”, pela revista eletrônica Consultor Jurídico:
“O Direito do Trabalho continua com sua vocação protecionista, mas tem de se adaptar a novas realidades para incluir não só aqueles profissionais elencados pela Constituição, chamados de ‘empregados típicos’, mas também outras formas de relação laboral, como os autônomos.
O Direito do Trabalho continua com sua vocação protecionista. Só que agora está alargando suas fronteiras. Não pode apenas se voltar ao empregado típico. Temos que estender essas garantias de valor do trabalho humano, o princípio da dignidade, não só para este grupo privilegiado de trabalhadores que foi inicialmente objeto da regulação”.
‘A Constituição, quando se fala em direitos dos trabalhadores, se volta a todos’, diz ele, questionando que determinadas garantias também devem ser atribuídas aos autônomos. ‘Trabalhador é um gênero que envolve empregado e autônomo’.
‘A própria Constituição espelhou isso. É inacreditável como o Direito do Trabalho tem essa capacidade de não só enfrentar crises, mas se reinventar’.
O que ocorre amplamente, no campo da pejotização, com o beneplácito do STF, é diametralmente oposto ao que estabelece o Art. 7º da Constituição Federal. Essa modalidade de contratação, em sua essência, tem como único objetivo sonegar todos os direitos assegurados por esse dispositivo constitucional — sem exceção.
O drama da pejotização, nas palavras do ministro do STF Flávio Dino, no julgamento da Reclamação 67348, aos 22 de outubro de 2024:
“Acho que nós tínhamos que revisitar o tema, não para rever a jurisprudência, mas para delimitar até onde ela vai, porque hoje nós vamos virar uma nação de pejotizados. O pejotizado vai envelhecer e ele não terá aposentadoria. Esse pejotizado vai sofrer um acidente de trabalho e ele não terá benefício previdenciário. Se for uma mulher, ela vai engravidar e não terá licença gestante”, (matéria publicada no portal Migalhas).
Esse cenário desenhado pelo ministro Flávio Dino, não se aplica por inteiro ao MEI, que paga mensalmente o tributo de 5% sobre o salário-mínimo, e, por isso, goza de benefício previdenciário com base no piso, que exatamente o salário-mínimo. Em contrapartida, aplica-se por inteiro à ME e à EPP, se os sócios individualmente não pagarem a previdência com base na sua retirada pró-labore, com alíquota que varia de 12% a 20%. Bem assim, ao autônomo.
8) Quais os possíveis prejuízos no acesso aos benefícios previdenciários (INSS) e ao FGTS para trabalhadores submetidos à pejotização?
O trabalhador, com vínculo formalizado na CTPS, paga alíquotas de contribuição previdenciárias, na seguinte gradação: 7,5%, até um salário-mínimo; 9%, de R$ 1.518,01 a 2.793,88; 12%, de R$2.793,89 a 4.190,83; e 14%, de R$ 4.190,89 a 8.157,41.
Esse trabalhador, de acordo com seu salário, sobre o qual é calculada a contribuição previdenciária, ao longo de toda vida contributiva, pode se aposentar com valores que variam de R$ 1.518,00 a 8.157,41.
Já o MEI, como contribui com apenas 5% do salário-mínimo, que engloba todos os tributos, se e quando aposentar-se, terá como valor de aposentadoria o salário-mínimo, pelas regras atuais.
Se o trabalhador com CTPS assinada tem salário mensal de R$ 6.750,00 – que é o limite médio para o MEI, cujo faturamento bruto anual não pode ultrapassar R$ 81.000,00 – sua contribuição à previdência social é de R$ 945,00. Porém, pode receber auxílio-doença, aposentadoria e/ou pensão por morte, calculada sobre a média de todas suas contribuições. Em tese, podendo chegar a esse valor.
Enquanto isso, o MEI, que tem rendimento médio nesse valor, paga apenas R$ 75,90, que equivale a 5% do salário-mínimo.
Em contrapartida, o trabalhador com CTPS assinada, tem depositada na sua conta vinculada do FGTS, o valor de R$ 540,00. O MEI não recebe nenhum centavo a esse título, pela ilegal prática até aqui adotada.
Além do FGTS, o trabalhador com CTPS assinada, mensalmente, faz jus a 8,33% de 13º salário e 11,10% de férias acrescidas de 1/3. Assim, ao final de cada mês, tem direito a 15,54% de seu salário, a título de FGTS, 13º e férias acrescidas de 1/3. O que totaliza R$ 1.311,53. Já o MEI não recebe um centavo sequer, a esse título e a nenhum outro.
Como o trabalhador com CTPS assinada, tomando-se o valor de R$ 6.750,00, desembolsa mensalmente R$ 945,00, para contribuir com a previdência, sobram-lhe o direito a benefício previdenciário superior a um salário-mínimo e a quantia de R$ 366,53; que não passa nem perto do MEI.
Desse modo, cabe perguntar: o que o MEI ganha em redução de custo mensal? Os números acima dizem que só perde, no presente e no futuro.
Em relação à ME e à EPP, a contribuição é de 5% do salário-mínimo. Porém, essa contribuição não assegura nenhum direito previdenciário ao sócio. Para ter direito a ele, tem de contribuir individualmente, sobre o valor de sua retirada pró-labore, com alíquotas de 11% a 20%.
9) Quais são as vantagens financeiras e tributárias auferidas pelos trabalhadores que prestam serviço com habitualidade por intermédio de pessoa jurídica ou de forma autônoma?
Tomando-se como referencial, rendimento mensal de R$ 10.000,00: i) o trabalhador com CTPS assinada tem encargos, igualmente, mensais de R$ 2.200,00, relativos a INSS e IRRF; o PJ- Simples Nacional, de R$ 1.550,00, se for prestador de serviços intelectuais e de R$ 600,00, se prestar serviço de outra natureza; se for autônomo, os encargos sobem a R$ 3.300,00, relativos a INSS, 20%, e IRRF.
Esse rendimento mensal exclui a possibilidade de o prestador de serviço constituir-se como MEI, que tem limitação anual de R$ 81.000,00, que representa a média mensal de R$ 6.750. Assim, que o tiver, tem de se constituir ao menos como ME, com faturamento anual limitado a R$ 360.000,00.
No caso hipotético, com rendimento mensal de R$ 10.000,00, o celetista faz jus, mensalmente, a R$ 800,00, de FGTS; R$ 833,30, de 13º salário; e a R$ 1.110,00, de férias acrescidas de 1/3. O que totaliza R$ 2.743,00. Descontando-se R$ 2.200,00, pagos a título de tributos, sobram-lhe R$ 543,00 mensais. A essa sobra soma-se a possibilidade de ele receber benefício previdenciário calculado pelo teto do RGPS, que é de R$ 8.157,41, se for mantida a regularidade de contribuição previdenciária nesse patamar.
A ME, por sua vez, tem gasto mensal com tributo que varia de R$ 600,00 a 1.550,00, dependendo da atividade. No entanto, não faz jus a nenhum desses direitos, inclusive o previdenciário. Para fazer jus a direito previdenciário, o sócio tem de contribuir mensalmente sobre sua retirada pró-labore, com alíquota que varia de 12% a 20%.
De igual modo, o autônomo. Para este a alíquota de contribuição previdenciária é de 20%, incidente sobre o valor utilizado como base de cálculo, que não pode ser inferior a R$ 1.518,00 nem superior a R$ 8.157,41.
10) Quais fatores têm levado um número cada vez maior de brasileiros a preferirem o trabalho por conta própria, mediante mecanismos alternativos ao regime da CLT?
Para aqueles que, efetivamente, fazem essa opção, o fazem por flexibilidade de horários, certa autonomia, menor tributação, busca de rendimento líquido maior etc. O que não ocorre no regime de CLT.
É bem de ver-se que pesquisa realizada pela FGV-Ibre, cuida de sepultar o mito de que a maioria dos trabalhadores não quer ser celetista. O título da matéria que divulga os mencionados dados, publicado em 27 de agosto de 2024, pelo portal Redação Focus Brasil, já derruba essa assertiva: “Sem saudades: após sete anos da Reforma Trabalhista, 70% dos trabalhadores informais querem carteira assinada”.
Eis alguns excertos da realçada matéria:
A ¨flexibilização do contrato de trabalho¨, sancionada e apoiada pelo ex-presidente Michel Temer em 2017, não entregou o que prometia – ou melhor, só entregou o que prometia: arrocho para o povo e benefícios para o empresariado. Após sete anos da Reforma Trabalhista, 70% dos trabalhadores informais querem a segurança da carteira assinada.
Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV-Ibre) revelou que entre os trabalhadores informais que ganham até um salário-mínimo (R$ 1.412), 75,6% preferem ter um emprego formal. Para aqueles que recebem entre um e três salários-mínimos, esse índice chega a 70,8%, enquanto diminui para 54,6% entre os informais com rendimentos superiores a três salários-mínimos.
As mudanças trouxeram insegurança financeira para os trabalhadores informais. Apenas 45% conseguem prever sua renda para os próximos seis meses, enquanto essa capacidade de previsão sobe para 67,5% entre os empregados com carteira assinada. Com cerca de 44% dos trabalhadores ganhando até um salário-mínimo, a pesquisa apontou que os salários dos autônomos também não ficaram melhores.
A pesquisa foi realizada com 5.321 pessoas com margem de erro de 2%”.
11) Qual é o impacto da pejotização para as empresas contratantes?
Com o trabalhador regido pela CLT, a empresa tem gasto mensal entre 45 e 50% do salário, com tributos, tais como INSS (20%), acidente de trabalho, Sistema S; e direitos sociais, que são FGTS, 13º salário, férias acrescidas de 1/3, provisão de multa do FGTS (40%) e de aviso prévio.
No caso de PJ, nos moldes em que se utiliza essa modalidade de contratação, não há incidência de nenhum tributo e direito social. Um negócio sem igual.
O Subprocurador Geral do Trabalho, Cristiano Paixão, em Parecer acostado ao processo IRDR, em tramitação no TST, tratando de pejotização, dentre outras contundentes e apropriadas argumentações, aduz:
“21 Com o objetivo de demonstrar a motivação tributária no uso da “pejotização”, a Receita Federal fez uma comparação, levando a incidência dos tributos, entre a contratação de trabalhadores por meio da legislação trabalhista (CLT), de serviços por meio de empresas com empregados, instalações, equipamentos, tributada com base no lucro presumido e de serviços por meio uma empresa “pejotizada” tributada com base no lucro presumido.
A análise levou em consideração somente os tributos pagos pelo prestador de serviços. 20 Id. Ibid., p. 6. 21 Id. Ibid., p. 6. Para rendimento mensal de R$ 30.000,00, o empregado contratado por meio da CLT arca com 23,60% em tributos federais. O trabalhador contratado por meio de pessoa jurídica deve recolher 17,34%, ou seja, 6,26% a menos que o celetista.
Ao examinar a incidência tributária entre pessoa física, empresa e “pejotizado”, a Receita Federal afirma que “a distorção ocorre na comparação entre a pessoa física, contratada como empregado, e o profissional intelectual que presta o mesmo serviço como pessoa jurídica”.
22 As incongruências também ocorrem quando se analisa os gastos do tomador de serviços. Quando há a contratação por meio da legislação trabalhista, é devido o recolhimento da contribuição previdenciária patronal (20%), encargos do sistema S e do RAT (3%), depósito do FGTS (8%) e pagamento de direitos trabalhistas, tais como férias e décimo terceiro salário.
Caso ocorra a contratação do trabalhador por meio de pessoa jurídica, a Receita Federal estima que há redução de custos em aproximadamente 31%.23 Ou seja, levando em consideração os dados apresentados pelo estudo da Receita Federal, a economia feita pela empresa é quase cinco vezes maior do que o benefício obtido pelo trabalhador.
É de se anotar que a Receita Federal não considerou o MEI, que, a título de tributo, desembolsa mensalmente apenas o percentual de 5% do salário-mínimo. Considerou, isto sim, as empresas que recolhem tributos pelo lucro presumido.
Segundo estudo realizado por Rogério Nagamine, ex-subsecretário do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e atual pesquisador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), o modelo atual do MEI representa uma ameaça estrutural à sustentabilidade da Previdência Social, principalmente devido à baixa arrecadação associada ao regime e ao envelhecimento populacional acelerado.
A título de ilustração, como o MEI contribui com a alíquota de 5% sobre o salário-mínimo, em 15 anos, recolhe à Previdência Social em torno de R$ 18.000,00. Como se aposenta com o salário-mínimo, em um ano de aposentadoria, recebe de volta mais do que contribuiu, em 15 anos; afirma a advogada Adriane Bramante, conselheira da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
12) Quais mudanças podem ser feitas pelo Congresso Nacional na legislação previdenciária para atenuar eventual impacto causado pela adoção cada vez mais ampla da pejotização?
Faz-se imperioso registrar, desde logo, que o Art. 170, IX, da CF, assegura tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, que incluem a própria EPP, a ME e o MEI. Portanto, para essas empresas não há possibilidade de impor regras que são ditadas às demais empresas.
Patenteia-se, portanto, um paradoxo: cada vez mais cresce o número de MEI, ME e EPP, com impacto direto e forte sobre as receitas previdenciárias, como demonstrado na questão de N.13. Por outro lado, agasalhada pela proteção do Art. 170, IX, da CF, não se pode dispensar a elas o mesmo tratamento dado às empresas de médio e de grande porte.
Assim sendo, a primeira mudança tem de ser a de coibição de utilização de pejotas, como meio efetivo e prático de sonegação de direitos e de tributos, estendendo-se a todos os pejotizados os direitos sociais assegurados pelo Art. 7º, caput e inciso XXXIV, da CF. Aliás, o que resta cristalino e insuscetível de dúvidas no próprio texto desses dispositivos constitucionais.
Evitando-se, desse modo, que a sociedade seja em breve pejotizada, como vaticina o ministro Flávio Dino.
Em segundo lugar, há de se multiplicar a fiscalização e a penalização das empresas que usam o pejota como fraude a direitos sociais e tributos, com aplicação de pesadas multas.
Em terceiro lugar, parece premente a necessidade de se alterar a base de cálculo das contribuições previdenciárias, hoje, concentrada na folha de salário, passando-a para o faturamento.
13) Qual o impacto financeiro da pejotização na arrecadação tributária da União e no equilíbrio atuarial do sistema previdenciário?
Essa questão é elucidada, de maneira simples e objetiva pela Nota Técnica encomendada pela Ordem dos Advogados do Brasil –Seccional de São Paulo, elaborado por economistas da Faculdade Getúlio Vargas, acessível em https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/nota-tecnica-sobreimpactos-pejotizacao-sobre-arrecadacao-tributaria, que estima a perda de arrecadação tributária em pelo menos 89 bilhões de reais no ano de 2023 em decorrência da fraude por meio da pejotização., dá dimensão dos catastróficos efeitos da pejotização na vida social, apresentando, ao final, as seguintes conclusões, em excertos:
“As estimativas elencadas acima demonstram um relevante impacto de mudanças no regime de trabalho sobre a arrecadação tributária. Se os trabalhadores por conta própria que foram incorporados no mercado de trabalho após a promulgação da reforma trabalhista tivessem sido contratados como celetistas, calculamos que a arrecadação tributária teria sido pelo menos 89 bilhões superior..[..] Nesta última simulação apresentada no texto, em que chegamos a R$ 384 milhões de perda, estamos utilizando a remuneração média observada para os celetistas, observada (caso fossem empregados em empresas do Simples Nacional), ou de 144 bilhões (caso fossem empregados em empresas do Lucro Real ou Lucro Presumido), considerando os valores acumulados entre 2018 e 2023. Estes valores representam, respectivamente, cerca de 6,2% ou 3,8% da arrecadação pública federal de 2023.
Adicionalmente, se supusermos que, dado o avanço da pejotização e com o passar dos anos, 50% da força de trabalho com carteira assinada passe a atuar como conta própria formal, isso é, seja pejotizada, a perda arrecadatória seria da ordem de 384 bilhões de reais por ano. Esta redução corresponde a 16,6% da arrecadação federal de 2023, a valores do ano passado.
Assim, ressaltamos que a perda de receita decorrente da pejotização causa impacto relevante nas contas públicas. É um importante aspecto a considerar quando são analisados os efeitos da flexibilização ampla pretendida para o mercado de trabalho na direção de possibilitar situações de violação à legislação trabalhista. Nesse cenário, a própria discussão sobre desoneração da folha de pagamento, cujo alcance a União vem tentando restringir, se torna inócua, pois tanto o conjunto de impostos, como a base de tributação que incidiria sobre o trabalho se reduziria consideravelmente.
Destaque-se que a eliminação de direitos trabalhistas decorrentes da pejotização, como décimo terceiro, horas extras, adicionais de insalubridade ou periculosidade, também diminuirá a base de cálculo dos impostos. Adicionalmente, é importante ressaltar que o poder de fiscalização e controle por parte da Receita Federal também seria enfraquecido, pois é mais difícil fiscalizar muitas empresas com somente um funcionário que poucas empresas com muitos funcionários, cujo recolhimento se dá diretamente na fonte e de forma concentrada. Com este estudo, buscamos demonstrar que a eventual substituição do regime celetista, de forma fraudulenta, através da aqui intitulada ‘pejotização’, ao longo do tempo, provocará efeitos deletérios sobre a receita fiscal, prejudicando tanto o financiamento do regime previdenciário como a própria capacidade do Estado para realizar políticas públicas”.
14) Como se dá o tratamento tributário de pessoas físicas versus pessoas jurídicas no contexto da pejotização? Ele incentiva ou desincentiva o fenômeno?
O tratamento tributário favorecido às empresas de pequeno porte é garantia constitucional, como assenta o Art. 170, IX, com a redação dada pela EC 6/1995.
Se a pejotização for analisada, de forma vesga, pura e simplesmente por esse prisma, não resta dúvida de que se constitui em incentivo para sua adoção pelo trabalhador.
Porém, como a questão é muita mais complexa do que aparenta e não pode ser analisada fora do seu contexto global, aquele que sopesar os direitos perdidos com a pejotização, atualmente corrente, que confronta o Art. 7º da CF, com certeza, terá nessa modalidade de contrato um desincentivo, para usar as palavras do ministro Gilmar Mendes.
Para comprovar essa assertiva, basta que se busquem os números constantes das questões 7 a 11, acima comentadas.
15) Existem experiências internacionais de regulação da pejotização que possam servir de referência para o Brasil?
Existem, sim! Apesar da pouca literatura do direito comparado sobre essa matéria, os dados disponíveis indicam que em nenhum outro país, que tem o direito social na conta da CF de 1988, há tantos prejuízos ao mundo do trabalho, decorrente de sua adoção.
Até onde se pode comparar, a pejotização, com benefícios totais à empresa que a adota e nenhum, para o trabalhador, como é o caso brasileiro, não encontra paradigma em lugar algum; fazendo da pejotização brasileira, verdadeira jabuticaba imprestável ao consumo humano, metaforicamente falando.
16) Quais alternativas regulatórias poderiam ser adotadas para coibir fraudes sem prejudicar modelos legítimos de contratação por pessoa jurídica?
Se o STF der ao Art. 7º, caput e inciso XXXIV, da CF, interpretação conforme, para assentar que todos os direitos assegurados aos trabalhadores com vínculo empregatício são extensivos aos submetidos a contratos pejota, com certeza, essa sanha por pejotização vai se arrefecer rapidamente, haja vista que sua motivação, a rigor, é a da legalização da sonegação de cumprimento desses direitos.
Além disso, há necessidade de se fixar tese vinculante, que reconheça como forma legítima de contratação por pejota, quando efetivamente for transferida a execução de atividades à empresa prestadora, como objeto contratual; a empresa prestadora de serviços tiver real e total autonomia na execução da atividade, nos limites do contrato de prestação de serviço; e demonstrar a capacidade econômica compatível com a execução. Hoje, nenhum desses requisitos está presente na “pejotização”.
E mais: há de se fixar também atividades que, por sua própria natureza, não são compatíveis com a contratação pejota “legítima”, tal como a de ensino. Para tanto, basta que se faça o cotejo da transferência de atividade e autonomia para o pejota, impessoalidade, da inexistência de subordinação, sem os quais essa modalidade de contratação é flagrantemente fraudulenta com as tarefas, atribuídas aos professores, pelo Art. 13 da LDB sem que estejam presentes os elementos acima abordados, que configuram o vínculo empregatício.
Eis o que determina o citado dispositivo: “Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade”.
Como se vê, não há a menor possibilidade de compatibilização delas com o professor contratado como terceirizado, de quem não se pode exigir o cumprimento de nenhum dos elementos que caracterizam o vínculo empregatício. Importa dizer: a contratação de profissionais da educação escolar, sobretudo professor, como “pejota” ou terceirizado é escancarada fraude à legislação trabalhista e à educacional.
Ademais, há necessidade imperiosa de se resgatar a autoridade da Justiça do Trabalho, tão espezinhada pelo STF, mantendo-lhe incólume a competência que lhe deu a EC 45/2004, notadamente quanto a conhecer e julgar todos os conflitos decorrentes das relações de trabalho, que englobam os contratos pejotas.
Por derradeiro, há de se resgatar a Recomendação 198 da OIT, que, em seu Art. 4, ‘b’, estabelece “as políticas nacionais devem incluir, ao menos, medidas para: (…) combater as relações de trabalho disfarçadas, contexto de, por exemplo, outras relações que possam incluir o uso de outras formas de acordo contratuais que escondam o verdadeiro status legal, notando que uma relação de trabalho disfarçado ocorre quando o empregador trata um empregado como se assim não o fosse, de forma a esconder o seu verdadeiro status legal, e estas situações podem fazer com que acordos contratuais tenham o efeito de privar trabalhadores de sua devida proteção”.
17) Quais alternativas regulatórias poderiam ser adotadas para coibir fraudes sem prejudicar modelos legítimos de contratação por pessoa jurídica?
Essa questão repete a 16, na íntegra. O que dispensa qualquer comentário, já feito na anterior.
18) Como a Justiça do Trabalho tem interpretado e decidido, atualmente, casos envolvendo pejotização?
Quem se der ao trabalho de analisar as centenas de decisões da Justiça do Trabalho sobre terceirização, sumariamente cassadas – melhor seria dizer caçadas- pelo o STF, será compelido a concluir que ela, simplesmente, tem analisado cada caso concreto à luz do princípio da primazia da realidade ou contrato realidade; sendo que não raras vezes chega a ser benevolente com as empresas. Ao contrário do que se apregoa.
Cassar a competência da Justiça do Trabalho, para conhecer e julgar casos que envolvam pejotização, como se descortina na jurisprudência do STF, além de afrontar a literalidade do Art. 114 da CF, que permanece incólume, irá se caracterizar como medida avessa à ordem democrática, que é a de enfrentar com rigor todas as condutas violadoras dos comandos constitucionais. Não fosse trágico, seria tapar o sol com a peneira, metaforicamente falando. Seria a senha que as empresas violadoras das regras constitucionais esperam para continuar expandindo a não mais poder a pejotização. Como bem anota o citado Subprocurador Geral do Trabalho, Cristiano paixão, seria a senha para dizer-lhes que a fraude compensa e não é punida.
19) De que maneira a pejotização impacta a negociação coletiva e a representatividade sindical dos trabalhadores?
O impacto é absoluto. Isso decorre do enquadramento sindical, ainda em vigor, no campo formal, previsto no Art. 511 da CLT e, principalmente, da tese fixada no Tema 383, pelo STF, segundo qual o terceirizado é, na melhor das hipóteses, subclasse; não sendo abrangido pelas normas coletivas celebradas em prol de quem tem contrato direto com as tomadoras. Não é demais lembrar que o STF considera pejotização como espécie de terceirização.
Ao fixar o Tema 383, no RE 635546, o STF, em total mudança de rota, quanto aos efeitos da terceirização, desnudou seus reais objetivos, mantendo incólume sua condição de hóspede meritório do Monte Olimpo, metaforicamente falando:
“A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratarem de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas” (Tema 383).
O ministro Luís Roberto Barroso ainda assentou:
“Exigir que os valores de remuneração sejam os mesmos entre empregados da tomadora de serviço e empregados da contratada significa, por via transversa, retirar do agente econômico a opção pela terceirização para fins de redução de custos”.
Com isso, os pejotizados ficam à margem das garantias convencionais e os sindicatos impedidos de os representar. Todavia, tudo isso será diametralmente alterado, a partir do momento em que o STF, à luz do Art. 7º, caput e inciso XXX IV, da CF, reconhecer aos pejotizados os mesmos direitos garantidos aos que possuem vínculo empregatício formalizado.
*José Geralddo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee.
Fonte: Contee.