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PL 2677/2025: mais um passo do Congresso para fragilizar trabalhadores e sindicatos

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

No conto O Anel de Polícrates – que compõe o livro Papéis Avulsos, publicado em 1882-, Machado de Assis, com sua refinada e inigualável ironia, diz que “a não ser a famosa botelha dos saltimbancos e a credulidade dos homens, nada conheço inesgotável debaixo do sol”.

Se Machado fosse revisar seu conto, hoje, por certo teria de incluir entre o que é “inesgotável debaixo do sol” a insaciável sanha do Congresso Nacional, com vistas a enfraquecer- de preferência inviabilizar- os sindicatos, tendo como mira o arrefecimento da luta dos/as trabalhadores/as.

Incapazes de fazer um só gesto que seja, em prol da ampliação dos já minguados direitos trabalhistas- salvo raríssimas exceções, como o PL 1675/2025, do senador Fabiano Contarato, visando a regulamentar a pejotização-, deputados e senadores não se cansam de apresentar e sustentar projetos de lei (PL), como o que, aqui, é abordado: PL 2677/2025, da deputada federal Rosângela Reis, relatado pela também deputada federal Rogéria Santos, já aprovado na Comissão do Trabalho; que  “tem por finalidade instituir e regulamentar a mediação nas relações de trabalho como meio adequado de solução de controvérsias, abrangendo conflitos individuais e coletivos, tanto em âmbito judicial quanto extrajudicial, entre trabalhadores e contratantes, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas, independentemente da existência de vínculo empregatício”.

Antes de se tecer comentários sobre o PL 2677, é de se registrar que seu protocolo  se deu  aos 2 de junho de 2025; aos 18 de agosto a relatora apresentou seu Substitutivo, que não sofreu nenhuma emenda. Já o PL 1675, do senador Fabiano Comparato, como propõe a proibição da pejotização fraudulenta, apesar de protocolado aos 14 de abril de 2025, ainda não deu nenhum passo. Essa diferença de tratamento entre os dois PLs mostra-se bastante para mostrar quais são as prioridades das duas casas do Congresso Nacional.

Na mesma esteira da (de) reforma trabalhista- Lei N. 13467/2017- e da Resolução 586/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não diz uma palavra que seja sobre as causas geradoras de milhões conflitos trabalhistas: o sistemático descumprimento de direitos elementares como verbas rescisórias e multa de 40% do FGTS; que, segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2024, junto com o adicional de insalubridade e multa do § 8º, do Art. 477 da CLT, foram os principais direitos reclamados no referido ano, nos mais de 3.599.940 casos novos.

O Art. 1º do Substitutivo corrobora essa assertiva, ao dispor:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio adequado de solução de controvérsias nas relações de trabalho entre particulares, em todas as suas modalidades, abrangendo conflitos individuais e coletivos entre trabalhadores e contratantes, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas, independentemente da existência de vínculo empregatício.

[..]

– 2º. A mediação prevista nesta Lei poderá ser utilizada tanto em disputas individuais entre trabalhadores e contratantes quanto em negociações coletivas, conduzidas por sindicatos profissionais e patronais, em ambiente judicial ou extrajudicial.

– 3º. A mediação poderá ser utilizada para a solução de controvérsias oriundas de relações de trabalho mantidas com a Administração Pública direta ou indireta, desde que não envolvam direitos indisponíveis ou outras questões vedadas por lei.

– 4. Nos casos de trabalhadores contratados pela Administração Pública, sob o regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a mediação poderá ser utilizada para tratar de questões disciplinares, desde que respeitados os limites legais aplicáveis”.

A relatora registra, em seu Substitutivo: “O presente Projeto de Lei representa um avanço importante na consolidação da mediação trabalhista como instrumento democrático, célere e consensual para solução de conflitos. Contudo, ao examinar detidamente o texto, identificamos dispositivos que, da forma como redigidos, poderiam criar barreiras desnecessárias à participação de trabalhadores, especialmente daqueles com menor poder aquisitivo, contrariando o objetivo de ampliar o acesso à justiça e aos meios alternativos de composição de litígios”.

Colhe-se do último período sintático deste parágrafo que, o PL originário foi alterado pela relatora, para desproteger ainda mais o trabalhador lesado em seus direitos; como se verá a seguir.

Logo ao primeiro compulsar dos artigos propostos pela relatora, constata-se que não há sintonia entre a Ementa do PL- Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre as sanções aplicáveis em caso de despedida ou aplicação de penalidade trabalhista por motivo ideológico- e seu conteúdo; notadamente quanto à parte final dela, posto que não há um só dispositivo que trate de sanções aplicáveis às despedidas “por motivo ideológico”.

O PL sob contestação, a rigor, visa a aprofundar a (de) reforma trabalhista, para deixar o trabalhador mais fragilizado perante o empregador, quer durante a vigência do contrato, quer na hora do acerto rescisório e da busca de direitos sonegados ao longo daquele.

Com essa finalidade, a Lei N. 13467/2017 criou diversas “opções”, todas com vistas a fazer valer a assimetria (desigualdade), que é a marca maior das relações individuais de trabalho, como expressamente reconhecido pelo STF no recurso extraordinário (RE) 590415, julgado em 2015.

A lei da (de) reforma trabalhista trouxe a rescisão de contrato por “acordo”, em que o trabalhador perde metade do aviso prévio e da multa do FGTS, saca apenas 80% do FGTS e não recebe seguro-desemprego, com o acréscimo do Art. 484-A.

Trouxe, também, com o Art. 507-A da CLT, a cláusula compromissória de arbitragem, para o chamado trabalhador hipersuficiente, que é aquele que possui diploma de curso superior e recebe salário de superior a duas vezes o teto do regime geral de previdência social (RGPS), hoje, de R$ 8.157,41. Essa cláusula afasta da Justiça do Trabalho todo e qualquer desavença ou litígio entre o trabalhador que a assinou e o empregador.

Trouxe, ainda, a quitação anual de obrigações trabalhistas, por meio de “acordo” assistida pelo sindicato. Sem dúvida, o menos prejudicial, pela assistência sindical.

E, como se não bastasse, com os Arts. 855-B e 855-E, da CLT, importou do direito comum o instituto da jurisdição voluntária, em que as partes recorrem ao judiciário buscando a homologação de acordo por elas celebrados, inclusive para quitação das obrigações do contrato de trabalho.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), achando pouco o que a (de) reforma trabalhista fez, baixou a Resolução 584/2024, que trata da homologação de acordos extrajudiciais, proibindo a Justiça do Trabalho de analisar o mérito desses, bem como de os homologar parcialmente.

O PL ora sob comentários consegue ser mais nocivo que a (de) reforma trabalhista, ao permitir que a “quitação” anual de direitos possa ser passada sem a assistência sindical perante mediador, que sequer precisa ser advogado nem conhecedor de regras mínimas de cálculos trabalhistas, conforme Arts. 5º a 11 do PL 2677. O Art. 507-B da CLT, acrescido pela Lei N. 13467/2017 a permite, desde que com a assistência sindical. Ou seja, o PL em questão dá mais um certeiro passo rumo à desproteção total do trabalhador.

O Art. 8º do PL traz de volta e de ponta cabeça a famigerada conciliação prévia obrigatória, prevista nos Arts. 625-A e a 625-F da CLT; declarada inconstitucional pelo STF na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 2139.

A conciliação declarada inconstitucional, quanto à sua obrigatoriedade, tem de ser prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho e realizada perante o respectivo sindicato profissional.

Já o arremedo de conciliação, prevista no PL, de caráter obrigatório, se estabelecida em cláusula compromissória de mediação, no ato da contratação ou no curso do contrato, prescinde de previsão em instrumento normativo coletivo, exigindo apenas a concordância do trabalhador, individualmente. Importa dizer: retrocesso colossal.

Eis o que diz o Art. 8º do PL:

“Art. 8º. A inclusão de cláusula compromissória de mediação nos contratos de trabalho é permitida e poderá prever a mediação como etapa prévia para a resolução de conflitos trabalhistas, desde que não impeça as partes de demandarem o Poder Judiciário ou a Arbitragem, caso a mediação não resulte em acordo.

– 1º. Nos contratos individuais de trabalho, a cláusula compromissória de mediação somente terá eficácia se o trabalhador tomar a iniciativa de instituir a mediação, ou na hipótese da mediação ter sido solicitada pela outra parte, quando convidado o trabalhador, este concordar expressamente em utilizá-la.

– 2º. A mediação poderá ser utilizada tanto durante a vigência da relação de trabalho quanto após a rescisão do contrato, respeitado o prazo prescricional respectivo.

Os Arts. 625-D e 625-E da CLT, declarados inconstitucionais pelo STF, na ADIs 2139, 2160 e 2237, estabelecem:

Art. 625-D.. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à

Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.

– 1º A demanda será formulada por escrito ou reduzida a termo por qualquer dos membros da Comissão, sendo entregue cópia datada e assinada pelo membro aos interessados.

– 2º Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista.

– 3º Em caso de motivo relevante que impossibilite a observância do procedimento previsto no caput deste artigo, será a circunstância declarada na petição da ação intentada perante a Justiça do Trabalho.

– 4º Caso exista, na mesma localidade e para a mesma categoria, Comissão de empresa e Comissão sindical, o interessado optará por uma delas submeter a sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do pedido.

Art. 625-E. Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia às partes.

Parágrafo único. O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas”.

A Ementa do Acórdão da ADI 2237, que os declarou inconstitucionais, acha-se assim exarada:

“1. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, em obediência ao inc. XXXV do art. 5º da Constituição da República, a desnecessidade de prévio cumprimento de requisitos desproporcionais, procrastinatórios ou inviabilizadores para a submissão do pleito ao órgão judiciário competente. 2. Contraria a Constituição interpretação da norma do art. 625-D e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho que reconheça a submissão da pretensão à Comissão de Conciliação Prévia como requisito para ajuizamento de ulterior reclamação trabalhista. 3. A despeito de pressupor a vontade das partes, é idôneo o subsistema de autocomposição previsto no art. 625-D e parágrafos da Consolidação das Leis Trabalhistas. A legitimidade desse meio alternativo de resolução de conflitos baseia-se na consensualidade, sendo importante instrumento para o acesso à ordem jurídica justa, devendo ser apoiada, estimulada e atualizada, não consubstanciando, todavia, requisito essencial para o ajuizamento de reclamações trabalhistas. 4. A interpretação sistemática das normas controvertidas nesta sede de controle abstrato conduz à compreensão de que a ‘eficácia liberatória geral’, prevista na regra do parágrafo único do art. 625-E da CLT, diz respeito aos valores discutidos em eventual procedimento conciliatório, não se transmudando em quitação geral e indiscriminada de verbas trabalhistas. 5. A voluntariedade e a consensualidade inerentes à adesão das partes ao subsistema implantado pelo Título VI-A da Consolidação das Leis do Trabalho, no qual se reconheceu a possibilidade de instituição de Comissão de Conciliação Prévia, torna válida a lavratura do termo de conciliação sob a forma de título executivo extrajudicial com eficácia liberatória geral pertinente às verbas acordadas. Validade da norma com essa interpretação do objeto cuidado. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 625-D, §§ 1º a 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, no sentido de assentar que a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio não obrigatório de solução de conflitos, resguardado o direito fundamental ao acesso à Justiça para os que prefiram a ajuizar demanda judicial”.

Como se vê, o realçado maroto PL visa a ressuscitar nocivo instrumento de suposta conciliação que o STF já sepultou, em definitivo, e com a agravante de que a de agora deixa o trabalhador abandonado à própria sorte, sem a assistência sindical.

Há de se registrar que a traiçoeira ressalva contida na parte final do caput, do Art. 8º- “desde que não impeça as partes de demandarem o Poder Judiciário ou a Arbitragem, caso a mediação não resulte em acordo”, em nada altera o que dele se diz nem ameniza sua exigência, posto que é inconstitucional é sua parte inicial, que condiciona qualquer reclamação de descumprimento de direito à mediação prévia.

Faz-se necessário anotar que a exigência de conciliação prévia, inserta no Art. 625-D da CLT, declarada inconstitucional pelo STF, não impede a demanda judicial, após frustrada a conciliação.

Importa dizer: o PL 2677 contém o mesmo veneno, em dose mais forte e mais letal, posto que sem a assistência sindical, sob novo rótulo. Quanta desfaçatez, para dizer o mínimo.

Para fechar com chave de chumbo suas armadilhas, o PL sob discussão, no seu Art. 9º, permite que as partes, empregado- sem assistência sindical e jurídica- e o empregador “acordem” que as custas pela mediação sejam repartidas. Equivale a dizer; além de se submeter à duvidosa mediação, que pode acarretar-lhe prejuízos irreparáveis, o empregado ainda paga pelos custos dela.

Por tudo quanto foi dito, urge que as entidades sindicais mobilizem-se contra esse famigerado PL, em vias de ser aprovado pela Comissão do Trabalho da Câmara; podendo, em breve, ser convertido em lei, se não for barrado já!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee.

Fonte: Contee.

 

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